quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Isis Maria vai à escola

O texto abaixo é de Milena Paixão - poetisa capixaba por quem me apaixonei recentemente, ainda que a conhecesse há tempos. Desde o início do ano, tenho trabalhado seus poemas com os alunos. Após pensar muito, escolhi entre seus textos de prosa "Isis Maria" para ser trabalhado junto com "Romeo e Julieta" na produção de um curta. Hoje apresentarei aos alunos das 6ª e 8ª séries o texto e ver o que acham. Espero que estejam tão animados quanto a mim. Há um problema de locação para se filmar e um dos vários motivos pelos quais apontei para "Isis Maria" foi pelo fato de acreditar que as filmagens poderão ser feitas todas no ambiente escolar.
Bom, então vamos a Isis.


Ísis Maria



Eu sei que tem a Yolanda. Aliás, todo mundo sabe - aquela coisa de beldade da escola. Mas eu não gosto da Yolanda, não. Ela tem olho verde, e tem bem alguma coisa de traiçoeiro no verde daquele olho. Feito mar, verde-verdinho, mas mesmo assim não dá um nervoso de entrar nele e pisar num ouriço qualquer? Então. Mineiro, espero o ano inteiro pra ver o mar, mas quando ele se espalha naquela verdejice toda até onde a vista dá, me encolho e me benzo da cabeça ao calcanhar. Só aí entro. Eu hein. Besta é quem não respeita granditude assim.

Mas voltando à Yolanda, é isso que penso: olho que tem muita transparência de cor conta cada lorota de alma. Bonito eu não nego que é, não. Pois que é. Mas o que deve ter de ouriço debaixo daquele verde de Yolanda, nem sei, viu. Até porque, eita, metideza. Suspiros demais pruma pessoa só, chega a ventar quando ela passa. Ô. Tô jurando, rapaz!

E chega também dessa prosa que nem é dela que eu quero falar. Quero falar é de olho preto, que olho preto é que é mistério e chão firme ao mesmo tempo. Quer ver só, Ísis Maria tem olho preto. Preto mas tão preto que quando eu me perco neles, feito em dois buracos negros da galáxia de Andrômeda, é só ir logo pensando fixo que na verdade são duas jaboticabas maduras, coisinhas muito terrenas mesmo. Ísis Maria carrega todo dia, estampada na cor do seu olho, o breu todinho da alma, que é mesmo o que a alma é de verdade: fossa abissal - igual disse o professor de Geografia - de todos nós. Eu entendo alguma coisa ali de muito dela, mas só porque ela deixa. Ela não mente, feito Yolanda, mas com quem quer usa fácil o tal truque da jaboticaba.

Ah, eu gosto de Ísis Maria. O cabelo dela também é preto e grande e à mãe dela apetece fazer umas tranças tão bem trançadas que vêm ziguezagueando lá do alto da cabeça e eu fico só tentando acompanhar onde mecha entra e por onde sai. Faço isso na aula de Matemática. Ela nota, ralha, ô, menino abobalhado, prest'enção. É muito boa de cálculo, eu não.

"Cê aprende a fazer essa trança, Ísis Maria?"

"Mas por que?"

"Uai, bonito demais pras três filhas que a gente vai ter."

"Ê, menino besta mesmo, meu deus."

Vira de novo pra frente e sorri de lado sem eu ver, mas eu vejo. Suspiro por Ísis Maria, e é só um fiapo de brisa.